Governança digital e responsabilização criminal dos administradores de plataformas digitais a título de omissão imprópria: fundamentos e limites
Resumo
As propostas de reforma legislativa no Brasil, para impor aos administradores de plataformas digitais de interação social deveres de supervisão e mesmo de supressão de conteúdos produzidos por usuários, independentemente de decisão judicial, ampliará sensivelmente a responsabilidade desses prestadores de serviços pelo que é publicado por terceiros nas suas plataformas. A necessidade e a conveniência desse encargo são defendidas em razão das potencialidades e da concreta utilização contemporânea da internet para a divulgação de fake news e discursos de ódio, para destruir reputações e para mobilizar pessoas contra os poderes constituídos e a ordem democrática constitucional. Mas a atribuição desses deveres de cuidado tornará os administradores de plataformas digitais, em alguma medida, garantes de vigilância dos riscos decorrentes das publicações de usuários e, como tal, possíveis alvos de responsabilidade criminal por crimes praticados por estes, a título de omissão imprópria. Procura-se examinar os requisitos de tal responsabilização, que variarão objetivamente conforme a amplitude dos deveres de cuidado e dos poderes de intervenção ou censura, a serem definidos por lei. Conclui-se que a violação de eventuais deveres de controle e censura de conteúdos poderá fundamentar a punibilidade, por participação omissiva imprópria, do administrador de plataforma digital pelo crime comissivo do usuário. Mas, em se tratando de crimes dolosos, tal responsabilidade não prescindirá da efetiva constatação ou de séria desconfiança quanto à existência dos conteúdos censuráveis.